4.4.08

O rebolado chega ao paraíso

Uma despedida que vira chegada em homenagem à alegria dos anjos
texto: joão m. salles
revista: piauí - fev de 2008
Em 1958, importante mesmo era balançar os quadris. Àquela altura do campeonato, a década que tinha começado tão comportada estava levada da breca. O rock havia mandado às favas a compostura. Para um exército de pais escandalizados, na melhor das hipóteses aquilo era música de crioulo; na pior, era o que se dançava no inferno, na companhia do Excomungado. A garotada pouco se lixava. O essencial era saber imitar aquele branquelo com alma de negro chamado Elvis. Na falta de DNA à altura, só treinando muito.
Aparentemente, Deus tomou o partido dos filhos. Não fosse assim, jamais teria posto no mundo Richard Knerr, a quem chamou de volta no último dia 14, data em que o paraíso se tornou um pouco mais divertido. O homem, que era pândego até no sobrenome — sabe-se lá por que, Knerr pronuncia-se “nur” —, ouviu falar de uma meninada australiana que, na falta de coisa melhor, fazia exercícios aeróbicos com aros de madeira. Decidiu dar uma espiada. Um professor de educação física fez a demonstração: gira daqui, gira dali, e enquanto o aro não caísse era suor na certa. Foi uma epifania. Knerr e seu sócio e amigo de infância Arthur Melin (a quem só falta uma consoante para ficar com nome de mago) levaram a idéia para os Estados Unidos, trocaram a madeira pelo plástico colorido, inventaram um nome pra lá de bom e começaram eles mesmos a demonstrar a novidade nos playgrounds ensolarados da Califórnia. Criava-se ali a mãe de todas as manias. Antes do cubo mágico, do pogobol, do Pacman e do Pokemon, o mundo se rendeu aos pés — ou, no caso, aos quadris — do Hula Hoop, por aqui batizado de bambolê.
Nos seis primeiros meses, venderam-se 20 milhões de unidades, a 1,98 dólar cada; no primeiro ano, já eram 40 milhões de quadris se remexendo; em 1960, Knerr e Melin deram uma reboladinha na direção do céu, em agradecimento aos 100 milhões de bambolês vendidos, marca jamais atingida por nenhum brinquedo até hoje. Não houve menina loura, rapazinho sardento ou neguinho que não remexesse as ancas ao som do hit do ano, Johnny B. Goode, de Chuck Berry. Era tudo o que a sisudez dos anos 50 precisava. O bambolê era uma piada do Juquinha no meio de um chá de senhoras, uma bola de chiclete que estourava — ploc! — num jantar de gala. A novidade foi lançada pela empresa de fundo de garagem que Knerr e Melin fundaram em 1948. No início, eles fabricavam estilingues para arremessar pedaços de carne (!) na direção de seus falcões de estimação (!!). O zumbido do elástico — whammmmm — e o baque seco da munição ao atingir o alvo — O! — deram nome ao negócio: Wham-O. Divertiam-se tanto que nunca se preocuparam em saber direito quem era o presidente e quem era o vice da companhia.
Em 1955, deram a primeira tacada. Passeando por um estacionamento, Knerr reparou numa barraquinha de camelô em que um inspetor de prédios de Los Angeles, Walter F. Morrison, vendia uns objetos esquisitos que chamava de Pluto Platters, Discos de Plutão. A idéia era ganhar uns trocados em cima da obsessão dos americanos pelos UFOs. Knerr convenceu Morrison a vender a patente para a Wham-O e levou a geringonça ao seu diretor de produtos, que, depois de coçar a cabeça, incrementou a aerodinâmica do disco acrescentando anéis concêntricos em relevo no topo do bicho. Bastava agora pegá-lo pelas bordas e atirá-lo longe — mas só depois, é claro, de batizá-lo com um nome memorável. Na Universidade Yale, os alunos costumavam se alimentar com as tortas semiprontas da Frisbie Baking Company. Terminado o almoço, brincavam de jogar pra lá e pra cá a lata da iguaria. Conta a lenda que Knerr não hesitou: trocou um i por um segundo e e deu ao mundo o Frisbee. Os parques nunca mais foram os mesmos. A relação dos homens com seus cães também não.
Dali em diante, foram (quase) só glórias. No início de 1960, um engenheiro químico criou acidentalmente um plástico com a incrível característica de não parar quieto. Sem ter o que fazer com a invenção, resolveu levá-la à Wham-O. Plim! Knerr e Melin decidiram que aquilo dava uma bola endiabrada. Batizaram-na de SuperBall (estavam num dia menos inspirado), criaram um slogan esperto — “50 mil libras comprimidas de energia!” (um pneu de automóvel usa apenas 26 libras) — e lançaram o brinquedo no mercado. Sucesso retumbante. Para alegria das crianças, a bolinha só parava de quicar depois de destruir vasos, quadros, abajures e a louça da mamãe. Animado, Knerr fez um protótipo descomunal — a SuperBall Gigante — e o soltou do 23º andar de um hotel na Austrália. O bólido rebateu no chão, subiu de volta até o 15º andar e foi se espatifar em cima de um carro conversível, do qual só sobrou o motor. Knerr se divertiu muito. Nessa história de tantos sucessos – mais de setenta produtos em quase cinqüenta anos – nem tudo deu certo. Durante um safári na África, Knerr ficou sabendo de uns peixes que depositavam a ova na lama seca. Meses depois, na época das chuvas, nasciam os peixinhos. “Humm...”, pensou, “peixes instantâneos...” Voltou para casa, importou a lama com os ovos e vendeu o produto como uma espécie de bichinho de estimação desidratado: “Instant Fish! Compre o pacotinho, acrescente água e ganhe um aquário”. Infelizmente, os ovos não resistiram bem à viagem e muitas criancinhas tiveram de perguntar a seus pais por que ganharam lama de Natal. Outro fiasco foi a tentativa de lucrar com o medo-pânico de uma guerra entre as superpotências. A Wham-O ofereceu, via correio, um faça-você-mesmo-seu-abrigo-nuclear por apenas 199 dólares. Não deu. Knerr devia saber que tinha vindo ao mundo não para espalhar o pânico, mas a alegria.
Depois de anos e anos de invenções maravilhosamente idiotas — quem nunca lambuzou o cabelo da irmãzinha com aquele aerosol que disparava fios meio pegajosos? —, a Wham-O acabou sendo vendida para a Mattel, criadora da boneca mais famosa do mundo. Barbie era comportada demais para fazer companhia aos inventores mais desajuizados da história. Imagine-se o escândalo: ela e Ken rebolando com um bambolê... Resultado: a Wham-O hoje é um fiapo do que já foi. Arthur Melin despediu-se do mundo cinco anos antes do parceiro. O consolo é que a companhia criada pelos dois sobrevive na lembrança de milhões de adultos e na canção de Billy Joel, que em poucos versos reúne a memória de uma época:
... Little Rock, Pasternak, Mickey Mantle, Kerouac Sputnik, Chou En-Lai, “Bridge On The River Kwai”.
Lebanon, Charles de Gaulle, California baseball Starkweather, Homicide, Children of Thalidomide Buddy Holly, “Ben Hur”, Space Monkey, Mafia Hula Hoops, Castro, Edsel is a no-go.
U2, Syngman Rhee, payola and Kennedy Chubby Checker, Psycho, Belgians in the Congo …
E para quem ainda não está convencido de que isso é uma chegada, aqui vai a requebrada final: 1958 está fazendo 50 anos.

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